Memórias 3 Andrea Tonaci

28.12.2017

“Bem, certos encontros mágicos ou mesmo afetuosos, a vida não consegue explicar. Foi o caso do meu encontro com o queridíssimo e saudoso amigo Andrea Tonacci. Falar de enfrentamentos comuns, e satisfação é pouco. Éramos diferentes mas ao longo da vida muito próximos. Talvez pela falta fantasmática que o cinema de mercado e da burocracia eterna, nos impunha. Cinema que sempre foi muito cruel com a nossa geração! Estávamos e estamos sempre submetidos aos excessos de perversão do Estado, ou do Outro! O preço que se pagou sempre foi muito caro: para uns com a própria vida! Durante décadas na angustiante melancolia do fascismo, sempre vivo na vida do país, defendíamos o confronto como expressão de sensibilidade e vida. Tonacci mais pulsante, trabalhava melhor a castração dos sonhos imposta à todos. E fazia seus poucos grandes filmes com maestria. Talvez os mais densos e enigmáticos da nossa geração. Grande amigo, bom pai e um companheiro solar de suas namoras e mulheres, até parar na doce e guerreira Cristininha Amaral. Estivemos muito próximos na velha/jovem Europa dos anos 70. E na vida com muitos sonhos não realizados! Ainda assim, Tonacci foi para mim uma preciosa indicação de maturidade pulsante e criativa. E isso implicava em ler, sentir, estudar, viajar, comer, beber e prazer! Ao longo de décadas de amizade, só o ouvir elogiar alguns filmes do Bressani (que eu nunca consegui gostar como cineasta), e o pessoal de BH. Muitas vezes me pediu para fazermos algo juntos. Tentamos com o precioso Joel Yamagi, um longa de ficção científica de episódios que a burocracia não deixou sair! Brasil né? E aí gravou com sua voz a narração de um curta meu chamado “Hollywood Sem Filtro 2”, que vendo-o outro dia interiorizei uma profunda deprê, pois ele já não mais está reclamando e rindo entre nós! Mas é isso, o fascismo só sabe produzir lixo, violências, espetáculos vazios, dores e perdas. E para apaziguar a tristeza fui rever “A Roda da Fortuna” que vimos uma vez em Paris. Aí me lembrei com leveza dos fartos almoços na casa de sua mãe dona Marcela. Dos imensos papos e caminhadas regadas a vinho com Novais Teixeira, também pelas ruas de Paris. Novais foi como um paizão para mim, e o dediquei o doce e anárquico “A$suntina das Amérikas”. Ficamos muito próximos ao longo dos anos. Vivíamos né? Coisa que no Brasil não tem a menor importância pois apenas se representa sem gozo algum. E na volta ao país, os muitos encontros e conversas entre Rio e Sampa! Tonacci dava dimensão terna e épica aos encontros, conversas, bom humor e ao seu trabalho rigoroso, sobre lá o que fosse! Seu cinema ligado aos índios era uma maneira de alertar as autoridades, latifundiários e religiosos boçais que desejam “civilizar” no mal-sentido, o gozo libertário da terra de todos nós, e mais deles! O índio para Tonacci, era uma fundamentação não-sacrificial da vida/vivida no seu esplendor nas florestas do mundo! Passei muitas horas a ouvi-lo falar sobre como funcionava a vida nas aldeias. E falava com maturidade e saber, sem apaziguamentos ou depressão. E também sem autoridade de querer ser dono dos índios, como muitos. Pena ter sido levado tão cedo pois queria fazer mais, mai e mais. E uma vez com muito bom humor me disse: ” -Rô, é preciso introduzir o conhecimento profundo da florestas e dos índios na família do homem das cidades. Eles sabem tudo!” Era possivelmente uma metáfora, mas ele acreditava nisso. E em que medida o seu “Carapiru” não era um pouco como ele se sentia nas grandes cidades do mundo? Sobre o Tonacci pai, seu filho Daniel saberá falar com mais autoridade. Como um velho amigo sei que perdi/perdemos um grande ser humano inadequado a lógica das excentricidades comuns e vulgares do mercado. O cinema como um todo no Brasil, ficou insosso e sem Paixão.” Para Daniel e Cristininha de Luiz Rosemberg Filho/Rô