Memórias 5 Novais Teixeira

03.01.2018

O que escrevo são lembranças e experiências vivas e vividas. Deixo fluir as emoções. Talvez seja uma legitimidade da velhice. Confrontá-la é de certo modo recusar o seu mal-estar. Ouviu Nelson Pereira? Tento sim reenquadrar o tempo vivido, já um pouco dissolvido na memória. Pouco importa pois sensibilidade deixa marcas na alma e no corpo. Não falo de excentricidades, mas de encontros e afetos. E a singularidade está no tempo inominável que o espetáculo/consumo procura esconder. Ao abjeto mercado, eu respondo com poesia e linguagens. Ainda sou daqueles que cultivam estilhaços poéticos numa possível reconstrução da Democracia! Bem, eu e a velha crítica nunca fomos próximos ou apaixonados. No passado me deram trabalho no INC, mas odiavam o meu modo libertário de fazer cinema. Nem por isso rompíamos. Tinha o Zé Lino, o Paulo Emilio, o Alex, o Biáfora e o Munniz Viana. Mas meu único verdadeiro amigo na crítica era o saudoso Jaime Rodrigues. Fui embora do Brasil, e na Europa o Tonacci me apresentou o que viria a ser meu parâmetro afetivo dos anos 70: o mestre e amigo Novais Teixeira, a quem eu dediquei nosso precioso filme “A$$untina das Amerikas”! Velho anarquista português, apaixonado pelo bom cinema brasileiro. Via tudo e gostava mesmo de todos! Surpreendia-me com a rapidez de suas análises do cinema e da política. Sua casa na Vaugirard era a verdadeira embaixada do cinema brasileiro. Todos passavam por lá! Sem pensar, ou sem querer eu o fiz chorar uma vez: vindo do Brasil. Trouxe-lhe de presente o LP de “Quando o Carnaval Chegar”. Ao abrir ele me disse: ” -Você não gosta do cinema do Cacá, e me traz essa lembrança importante para mim.” Disse-lhe que até me forçava para gostar, mas não conseguia. Tentei muitos anos depois a pedido do Glauber em Paris, e também não consegui! Desisti. Novais teve muitas significações na minha vida. E uma das mais comoventes era sua paixão pelas mulheres. Gostava de todas! Queria amar à todas! Criticava a França, mas dela não queria sair. Usei e abusei de uma carteirinha sua da crítica, sem retrato que ele me emprestava. E vi muitos filmes sem pagar com ela. Nossas conversas eram longas e criativas. Morávamos muito próximos e estávamos sempre juntos. O Tonacci foi para Índia, e ficamos nós caminhando pelas ruas e cinemas de Paris. Era a maneira que tínhamos de suportar estar longe do Brasil. Novais queria ver e gostava de um cinema expressivo. Amava Buñuel de quem se considerava amigo. Em seu apartamento tinha uma foto com os dois numa piscina. Também nunca o vi triste, nem desanimado. Achava-o solar numa Europa já triste. Sua despretensão era comovente! Quando me via melancólico dizia sorrindo que era falta do que pensar! Ao longo da vida fez muitos amigos. Me dizia que a melhor cura de um mal-estar, era ir ver um bom filme. E nisso Paris era imbatível como espaço e capital das luzes. Os anos de Europa me foram como anos de formação pois vi e pensei sobre quase toda história do cinema. E Novais sempre próximo como um amigo muito querido, vivia me dizendo:” -Rô, desconfie sempre das certezas!” Tem coisa mais bonita? Na hora da sua morte estávamos no hospital. Ele estava já inconsciente e quando entrei no seu quarto, ele me reconheceu pela voz e disse: ” -Rosemberg veja quantas mulheres bonitas estão aqui!” E no quarto só tinha um enfermeiro e eu. Concordei né? Pouco tempo depois ele partiu. O termo preciosidade pode-se sim aplicar ao terno ser humano que foi Novais Teixeira. Foi um luxo conviver com esse homem afetuoso! LUIZ ROSEMBERG FILHO/RÔ