Memórias 8 Jardim das Espumas

05.01.2018

(Para Fabiano Canosa): A história que vivíamos e vivemos, é sim uma grande mostra obscena do nosso capitalismo retrô, burro e selvagem que só institucionalizou censuras, torturas e exílios! Ênfase aos muitos discursos que nada dizem, mas que vendem uma falsa ideia de ordem, progresso e Democracia! Tá até na bandeira! Balela né? Com isso irrealizou-se muitos projetos de um Brasil solar, para todos! A televisão ocupou o lugar do cinema e vendeu maquiagem barata de um país collorido e feliz como uma espécie pulsante de indústria da mentira. E na decomposição das ideias, o país em sangue! Quem ser pensante não perdeu pessoas próximas ou queridas? E os muitos exílios? Passou-se a viver um Brasil sem substâncias intelectuais e humanas. Tipo hoje Temer, Cunha, Crivella, Doria, Jucá... Xavecos patrióticos na exaltação do HORROR! Bem, com propriedade Godard já dizia: "A única coisa que sobrevive a uma época é a forma de arte que ela cria para si". Nosso "Jardim Das Espumas" sublinhava sim, uma necessária mobilização real do pensamento. A distribuidora Multifilmes entrou achando que era mais um filme pornô, pois todos os personagens estavam nus. Lindamente despidos por fora, mas vestidos de consciência dialética por dentro! Para nossa sorte a censura da ditadura não entendeu, e Glauber o amou pedindo para exibí-lo para o LIVING THEATRE. O tempo do filme era o futuro, mas era também o presente desrealizado da facilidade do entendimento imediato. Enfim, um filme fora do modelo oficial, e claro que os "gênios" obscuros do Festival de Brasília, não o selecionaram para o evento.Censura né? Mas foi bom pois tomei nojo desses eventos mas festivos que a difícil arte de pensar! É preciso também não esquecer a potente/criativa fotografia de Renaud Leenhardt, e o trabalho de interpretação gigantesco de Echio Reis, indo muito além de tudo e de todos. Me dizia com seu bom humor baiano: " -Gosto do filme pois é o corpo que fala pela palavra!" Sabia bem o que estava vivendo e fazendo! Sempre de bom humor, ríamos dos nossos demônios. Como ótimo ator, fazia o que fosse sempre sorrindo. Amei e ainda amo os nossos velhos encontros, as muitas conversas e o seu vigor criativo permanente! A ditadura nos serviu de modelo para rompermos nossos limites (viu Ana Nogueira!), na travessia do inferno! Me lembro bem que dizia para o Echio: " -Deixa o corpo falar da nossa dor!" E ele nos devolvia movimentos amplos e sofridos para uma sucessão de imagens duras, mas lindas! No Festival de Berlim não gostaram do filme (com razão, pois o Terceiro Reich entrou de personagem), mas elogiaram a interpretação Grotowskiana do Echio, e a fotografia em preto e branco do Renaud. Vendo o filme hoje, lançado pela CAVIDEO, acho-o profético! Posso dizer sem medo o trecho de um diálogo de "Hiroshima, Meu Amor", em que a personagem do homem japonês diz: " -Você nada viu em Hiroshima." E eu digo então: " -Você nada viu nos Anos de Chumbo". Me orgulho da lembrança e da força criativa do saudoso Echio Reis. Majestosa a sua composição da personagem de um embaixador sequestrado, em apuros. Afinal, que país era aquele do filme de ficção científica? Não se suavizava nada! Echio era ator, e programador do cinema Alaska! E muitas noites eu passava lá, e saíamos para conversar noite adentro pelas ruas e bares de Copacabana. Éramos jovens inspirados por Camus, Tchekov , Oswald de Andrade, Brecht e o Teatro Oficina. A voz cavernosa dos ditadores, nós a substituíamos por um percurso mais poético e humano via Grécia Vanicore de uma sexualidade libertária. Os ditadores sempre são feios, velhos, visíveis e podres! Iconizados apenas como mecanismo de repressão. Dançam isolados em eventos entre porcos e urubus! Só que como já são fantasmas insistentes na história, estão sempre voltando, provocando certa estranheza no entendimento de nossa própria história. Ontem foi Médici, hoje é Temer! Como foram desempenhar um papel tão sujo e baixo? Como bem dizia Paulo Leminski/Itamar Assumpção: "Ópios, Édens,analgésicos/ não me calem essa dor./ Ela é tudo que me sobra / sofrer vai ser/ A minha última obra." TRISTE! LUIZ ROSEMBERG FILHO/RÔ