Memórias 242 O Rosto

28.09.2018

A imagem sobre um rosto marcado pela vida. Detalhe de um rosto assustado. De rosto falando. De um rosto sendo tocado. Um rosto contraído chorando. Um rosto solar diante da beleza. Um rosto sendo ferido. Um rosto diante da dor, do gozo, do sonho... Na ficção é preciso sim que seja expressivo, e aí posso me permitir elogiar o rosto de Ana Abbott com quem fiz três longas difíceis pela falta de recursos. Fiz os filmes aos 70 como se tivesse 20! Mas o rosto de Ana não é batido, comum ou vulgar. Mas um rosto que do nada faz tudo! É um rosto que uma vez trabalhado se modifica da dor ao prazer. Tá sempre mudando como o de Analu Prestes. Amei trabalhar com as duas. São diferentes mas próximas nos recursos. Sempre me impressionou muito o rosto dos atores. Como se deixam transformar do sofrimento para a vida! Da música para o desejo. Um rosto imutável serve para uma estátua, não para um bom ator ou atriz. Ousaria dizer que o rosto é sim o corpo da alma, e em todo ato pensado e verdadeiro, o rosto é o que melhor reflete caminhos a serem vividos. Glauce Rocha me dizia lá no passado que o rosto era o tornar-se quem és, Já vi bem próximo do meu olhar um rosto chorando por alguma perda, e outro gozando. Eram investigações amorosas e experiências poéticas marcantes. O ator dispõe dessa liberdade de poder ser tudo! De ANTÍGONA a LADY MACBETH. E tudo não como certezas, mas como experiências necessárias do sublime na alma humana. E o rosto é quem melhor revela tais mudanças no seu comportamento. É uma espécie de espelho dos nossos muitos demônios. Sempre fui fascinado por alguns rostos. Uns mais que outros. No cinema brasileiro atual o rosto é infelizmente só uma passagem narrativa como na TV. Mas é pouco senhores e senhoras! Isso é um esvaziamento do sentido analítico e poético das imagens. Ora, se o rosto são muitas paisagens possíveis é fundamental que não seja só usado de modo narcisista. Mas sim da magia do encontro e dos sonhos possíveis da criação. Tem de gerar pensamentos, devaneios e paixões! E se "o capitalismo acentua a "pornogrifização" da sociedade, expondo e exibindo tudo como mercadoria", as marcas de um belo rosto trabalhado e pensante pode essencializar pensamentos e atitudes críticas numa visão superior a morte do saber! Vale pensar sobre isso um pouco mais. Luiz Rosemberg Filho/Rô