Memórias 272 Que se volte a pensar na magia da construção de um bom roteiro

07.10.2018

Na exibição do A$SUNTINA DAS AMÉRIKAS na ECA em São Paulo depois do debate o Paulo Emílio me disse que todo BOM crítico poderia ser um roteirista e eu concordei. Hoje eu penso que é uma questão de sair do lugar garantido da crítica e se jogar na fragilidade da dúvida. E uma vez no estado da dúvida ir fundo na desrazão da ordem. O cinema é isso: uma aproximação poética com a desordem. Não no sentido de uma carnavalização das ideias como faz a TV. Mas numa procura além das ideias colocadas sobre a mesa. É escrever suas ideias nas vísceras das contradições e torná-las claras e possíveis de serem realizadas. O filme não é uma novela televisiva, e em poucas horas é preciso dizer tudo! Quem diz que é fácil mente pois trabalha-se entre ruínas, excrementos, sonhos, proibições, dinheiro, traições, medos, egos, vida e morte. Mas tudo isso não forma o ser humano? Como bem diz Fernando Pessoa: "Ninguém se amaria a si mesmo se deveras se conhecesse." O roteiro para que sabe escrever (e que são poucos) é uma complexidade de contradições no universo poético da imaginação. E na ficção são muitos obstáculos a serem vencidos: da falta da grana à necessidade de serem aprovados por burocratas frustrados. E sendo na verdade extensão dos "podres poderes" da política. Já trabalhei alguns anos nesse universo de cobras venenosas, e sei do que estou falando. Burocratas e roteiristas são posições opostas! Conversei algumas vezes com Fernando Campos que na minha opinião era o nosso melhor roteirista, e um ótimo cineasta experimental. Entendia bem do riscado. O seu complexo VIAGEM AO FIM DO MUNDO eu gostei muito e vi muitas vezes. Assim como o genial roteiro de LADRÕES DE CINEMA que também vi muitas vezes no passado. O seu suporte teórico sempre foi o conhecimento e a imaginação em estado bruto. Esquecêssemos que era um bom cineasta e teríamos um ótimo escritor/roteirista. Eu gostava muito de ouvi-lo falar pois era fluente na sua rica imaginação. Depois de alguns copos me dizia: " -Rô sem um bom roteiro o filme nasce sem vísceras." Ríamos. Que se volte a pensar na magia da construção de um bom roteiro. Não como obrigação mas como necessidade de nos superarmos. E quem sabe uma releitura do precioso cinema do Fernando Campos? (P/ Zeca Brito) Luiz Rosemberg Filho/RÔ

Zeca Brito