Memórias 302 Amar também se ensina

17.10.2018

É vergonhoso que a política seja sinônimo de um ringue de box! Ora, por que os demais ofícios seriam diferentes? Na luta pela criação talento, saber, respeito e pudor estão fora do ringue. É preciso ser festivo, canalha, traíra, enganador, safado, oportunista, covarde, disperso, careta, idiota, mongo, truculento e fascista! Poderia ter sido tudo isso mas escolhi outro caminho: o do pensar fundo e do fazer. Fiz e faço! Pensar a celebração de ter sobrevivido aos anos de imobilidade numa bolha de oxigênio e aos Anos de Chumbo sendo proibido de todos os lados e continuando a fazer! Dois momentos muito difíceis da minha formação. Mas, como poderia ser diferente num planetinha vagabundo e criminoso? Olhem o universo e vejam a bolinha de gude que somos nós! Penso então já mais velho nas mulheres que amei, e que nem sempre me comportei bem. Não por maldade, mas por não saber dizer "não sei" ou "acabou!". Devo ter cometido erros afetivos, mas por má formação. Amar também se ensina. Não se reprova ninguém mas se ajuda a amadurecer o entendimento da importância do Outro. A sacralidade da descoberta da mulher me chegou aos trancos e barrancos pois tudo era proibido! Ditadura é sim sangue na canjica! Quis falar disso no cinema, mas ainda não consegui. Preferi fazer longos anos de análise! A mulher segue sendo um poema desconhecido em constante movimento em torno da luz solar. Pode parecer fácil, mas nunca foi. Pelo menos para mim. Lamentavelmente também a chegada no mundo do cinema foi também brutal, e essa brutalidade sem querer, eu a passava para meus filmes. Bem, Itala Nandi, Analu Prestes, Ana Miranda, Paula Nestorov, Adriana de Figueiredo, Ana Terra, Olivia Zismann, Ana Abbott, Priscyla Bettim...trabalhei com lindas e inteligentes mulheres que me pareciam poemas em movimento. Mas como poetizar tanta beleza e inteligência num país brutalizado por sucessivos Golpes de Estado? O Brasil real é sim a negação de todo e qualquer encantamento pois lida-se com a moralidade/imoral, a ordem, as proibições, a religião, o dinheiro, as traições, a política e o lixo como raiz de tudo! E a beleza com isso? Vaga na caracterização de um outro espaço a ser pensado. Muito há para se aprender mas a vida é curta. Ontem eu tinha 20 anos, agora já passo dos 70! Como pensar sem dor a essência dos muitos poemas não-vividos e dos roteiros não-filmados? Nossa riqueza não foi a retenção anal do capital, mas a experimentação de muitos encantamentos proibidos. Proibiam tudo! Um começo com proibições só quem viveu na carne é quem sabe as dores que ainda sente por rasgações não cicatrizadas. Mas como dizia Samuel Beckett: "Ser um artista é fracassar,/ fracassar como ninguém/ mais ousa fracassar." (P/ ANA TERRA) Luiz Rosemberg Filho/RÔ

Ana Terra