Memórias 326 Minha adaptação do CORIOLANO de Shakespeare

25.10.2018

Outro dia visitando um velho sebo de livros no centro da cidade, vi uma encadernação verde de plástico que eu cismei que era minha. No que abri era realmente minha com o roteiro quase completo da minha longa (quase 1 ano!) adaptação do "CORIOLANO" de Shakespeare. Todo ele escrito em Paris. Pensei que tivesse sido roubado das muitas caixas de livros que nunca chegaram de lá. E vi que foram roubadas aqui nos anos ainda de Chumbo! Muita coisa não chegou pois não tive dinheiro para mandar de navio, registrado. Reclamar a quem, ao Papa? Comprei-o né? Alguns dias depois em casa reli o roteiro que me pareceu impossível de ser filmado mesmo lá, e menos ainda aqui entre trogloditas, traíras e censuras. Aliás, trogloditas, traíras e censuras sempre estiveram na minha cola. E essa novela vem furiosa desde o "A$SUNTINA DAS AMÉRIKAS" também escrito em Paris para a atriz Analu Prestes. Foi sempre uma bela e forte atriz, mas lá na peça "O CASAMENTO DO PEQUENO BURGUÊS" do Brecht e no nosso "A$SUNTINA" esta soberba, encantadora, doce, desobediente, ímpar e solar! Mas os censores e a burocracia odiaram! Passei décadas sem falar com o Gustavo Dahl que odiou o filme e não acredito que seja verdade! E curiosamente eu sempre gostei muito do seu "O BRAVO GUERREIRO" e de seus escritos. Nos últimos meses de sua vida me procurou, disse que não queria briga e que gostaria de me ajudar de algum modo. Morreu pouco tempo depois sem conseguirmos nada. Pena. Mas lendo o roteiro do "CORIOLANO" o achei luminoso, ousado, feroz com lampejos de um sonho capaz de cair num horizonte de álcool ou das drogas lisérgicas. É sim uma viagem alucinada e trágica no inferno da política. Glauber que acompanhou boa parte me dizia que eu nunca conseguiria filmá-lo pois era gigantesco entre Buñuel, Pasolini, Welles e Arrabal. Pouco teatral e muito operístico tipo Carmelo Bene. Claro que ainda inédito no Brasil. Eram as muitas atrocidades num regime obscuro via Shakespeare com os ventos do leste. Demorei a relê-lo todo e amaria tê-lo filmado. Mas realmente eu nunca conseguiria levantar dinheiro pois seria muito caro. Se por um lado foi admirável tê-lo escrito pois tenho boas lembranças de conversas com Glauber, Novais e muitos outros, por outro deixa um gosto amargo de frustração por ter ficado no papel. Talvez tenha sido o meu roteiro mais elaborado com mais de 500 planos. Possivelmente filmado tal como está escrito dobraria com lampejos do "APOCALIPSE" do Coppola. Luiz Rosemberg Filho/RÔ.