Memórias 1 Mário Carneiro

24.12.2017

Meu primeiro trabalho no cinema chamado de “Balada da Página 3″, foi fotografado pelo queridíssimo e saudoso Mario Carneiro. Deveria ter feito um média, mas erradamente fiz um longa complicado pois era todo mudo, com o esforço de todos. Me lembro bem que Mario me dizia: ” -Rosemba, veja com os olhos mas enquadre com a alma!” Sensível como colocação isso me serviu muito depois, e me serve até hoje para enfrentar a monstruosidade venal do cinema de mercado. Mario que já tinha muito mais experiência que eu, era uma eterna festa de bom humor para todos atores e técnicos. E no vai-e-vem de olhar e enquadrar Mario era um doce ser de intensidades eruditas e poéticas. Já era difícil trabalhar sem dinheiro, e Mario nos tranquilizava à todos com seu bom humor e paixão pela beleza jovem da Adriana Prieto. Tínhamos o cuidado de enquadrá-la ainda mais solar possível, e quando dava certo, Mario sorria de felicidade. Dito de outra maneira: Mario queria que o filme desse legibilidade a nossa chegada no cinema brasileiro. Éramos ainda jovens sonhadores. Queríamos todos um outro Brasil mais humano e ousado. Submetido não a obscuridade das armas, mas a luz das transgressões possíveis. E se o kitsch já era a moda a ser seguida como distorção do real, queríamos confrontar essa sua função alienante. E Mario era a sutileza, o humor rascante e um esforço ético na dissolução do que fosse apático, burro e desnecessário. Me lembro das nossas muitas conversas para fazer o filme escapar do lugar comum e negativo como expressão. Mario foi muito mais que um fotografo, mas um amigo preocupado em fazermos um bom rascunho de nossos medos, ousadias e intensidades com o universo das imagens! Foi e segue sendo como experiência um permanente desabrochar de potências visuais. Trabalhar com Mario foi para mim uma festa permanentemente viva na poesia de um encontro com a paixão nas muitas rupturas ainda possíveis. Depois vieram outros belos encontros com Renaud Leenhardt, Pedro de Moraes, Antonio Luis, Vinicius Brum, Alisson Prodick… Seres significativos para a homogeneidade de um cinema mais criativo e humano. E no processo de desalienação que a estranheza do nosso cinema queria ocupar, Mario foi sim mais que um fotografo! Mas também um bom diretor e um artista plástico de muitas intensidades nas cores e nas imagens de seus quadros. Muitos anos depois fizemos um documentário amoroso e político com Mario em sua casa, e Sergio Santeiro no Parque Laje numa homenagem de todos ao Terra em Transe! Tempos que já não voltam mais. LUIZ ROSEMBERG FILHO/RÔ