Memórias 6 Joana Collier

04.01.2018

Filma-se por pedaços. Planos são pedaços de ideias e sentimentos vivos. Pedaços de movimentos, de falas e de imobilismos como o cinema dos Straubs. Filma-se discursos, desencantos e palavras. Digamos que o inominável da linguagem na montagem, é o ritmo. Faz-se de sons e imagens singularidades poéticas. Escrever e filmar, são sim muito próximos. O livro lida com o mundo das palavras. O cinema com muitos pedaços de sons e imagens que são juntados ou separados pelo montador/a. Ainda ontem as pesadas moviolas. Hoje, as ilhas de edição! Digamos que o montador/a intensifica dúvidas na sua organicidade poética das imagens. Tive a sorte de só trabalhar com pérolas raras. Ontem Ricardo Miranda e Marta Luz. Hoje Joana Collier e Arthur Frazão, passando por Lupércio Bogea e Mili Bursztyn. Tenho grande admiração por todos e muito pela vontade do inovar/pensante de Joana Collier. Ouvi-la falar sobre o processo de montagem de um filme, é sim uma experiência permanente de força, postura e alegria. Vejo-a sempre solar na ilha cercada de pedaços de imagens misturadas, às ruas de Botafogo, levando sua filha Alice a escola. À constante obscuridade do nosso país, ela o confronta com sua dimensão rica e humana. E tem coisa pior para o fascismo que o lado humano de uma grande mulher? E nada mais concreto que o seu movimento criativo no mundo dos pedaços/imagens, que uma vez juntados, formam um corpo de complexidades. Claro que quando o filme é bom. Linda, doce, erudita tem com a interpretação das imagens o seu lado humano como expressão poética e política se necessário! Faz da desconstrução de um filme como o nosso "Dois Casamento$", um efeito musical como questão de afeto! Levanta problemas? Sim. Mas está sempre além da mesmice criando conceitos, contradições e encantamentos nem sempre muito claros, mesmo para mim. Faz dos muitos pedaços/enquadramentos um corpo/pensante para o outro. Finalmente o espectador é luxuosamente com imagens como música para os olhos. Mas é no respeito ao outro que se estabelece uma ampla exposição de caminhos. E à massificação política/religiosa da mídia, a sua montagem cinematográfica responde com o "choque", defendido no passado por Walter Benjamin. Choque que reconstitui a dialética, de uma outra significação muito além da alienação! Falar de Joana Collier é falar de uma grande mulher, grande mãe, grande ser humano, grande ser humano e grande montadora. Faz de todo e qualquer material bom, uma revolução permanente. E toda revolução permanente implica no saber amar, no caso, como experiência estética! Cada filme é um voo na existência do outro, e do seu entendimento sobre os seus muitos pedaços. Ou seja, não faço senão refletir sobre a nossa caminhada na maturidade da vida! Sua hipersensibilidade vai da educação de sua filha Alice, a um doce aprendizado no espaço criativo do outro. Não vou aqui embaralhar dificuldades, pois o seu modo de montar ou editar, faz pensar sim! Cria construções simbólicas, e que ao juntar poeticamente enquadramentos e mais enquadramentos, cria um percurso de dignidade para com o saber e o cinema moderno. Agora, sinto já estar velho e não ter muito mais tempo para acompanhar o seu permanente crescimento, as suas tantas interpretações, falas e paixões. Reconheço-me infinitamente feliz por tê-la tido ao nosso lado, num momento difícil de nossas vidas: o país sendo afundado por velhos ladrões, e nós querendo a desconstrução desse fascismo vendido como ordem, progresso e Democracia. Mas onde? Para concluir, Joana é para o cinema brasileiro o fôlego pós-desconstrucionista do discurso oficial. Traduzindo isso: mesmo as nossas dores e dúvidas, ela encontra uma maneira de introduzir luz, beleza, poesia e afeto aos nossos muitos pedaços de sons e imagens. Joana é sim uma espécie humana rara e competente no seu ofício de confrontar as muitas dúvidas e contradição do cinema do outro, e restaurar no pessimismo que se vive no país, um ir além dos limites do bode, amar e se deixar na criação de uma outra história para todos! Em síntese, uma PAIXÃO! LUIZ ROSEMBERG FILHO/RÔ