Memórias 21 GLAUBER

09.01.2018

GLAUBER. O cinema infelizmente sempre foi meio competitivo e destrutivo. O que se amava num dia, tinha que desgostar no outro. Felizmente fiz muito, mas preservei o meu mundo de intensificar aproximações com seres abjetos. Como são sem noção e grudentos devo ter conhecido um ou outro mas nunca próximos! Comungar com vampiros, porcos e sem talento – o ser humano acaba reduzido ao nada! A uma excentricidade sem transgressão alguma. Preferi sempre ler e tentar entender melhor as teorias do Brecht/Artaud. Do fundo do coração nunca quis fazer parte de nenhum partido ou movimento. Nem dos chamados “Marginais”, nem do Cinema Novo. Fiz o meu cinema sem apoio econômico de lado nenhum, e menos ainda da eterna e nociva burocracia. E curiosamente o único que me cobrava educadamente uma posição, era Glauber. E eu lhe respondi muitas vezes, mais fora do país, que tinha bons e queridos amigos e também inimigos dos dois lados. Bem, até “O Jardim Das Espumas”, só nos falávamos em encontros na praia, ou nas ruas de Ipanema. Ao ver o filme indicou-o para Berlim, e dai pra frente nos falamos mais. Em Paris ficava danado por eu não gostar de alguns de seus amigos. E eu lhe respondia que eram seus amigos, e não meus! Mas que isso de modo algum me agigantava ou me diminuía no sentido de pensar e fazer! E que eu me permitia achar que o que mais o incomodava era eu ser amigo e gostar muito por exemplo do Mario Carneiro que fotografou meu primeiro longa “Balada da Página 3”, e ser muito amigo do Andrea Tonacci. Amizade essa que durou mais de 40 anos! Dizia-lhe que era bobajada a sua cisma. Mesmo contra o Rogério de quem nunca fui próximo, eu me permitia achar bobagem. Afinal estávamos todos no mesmo ofício e que devíamos abrir o sistema de produção para todos! Infelizmente não foi o que aconteceu e a burocracia se agigantou, tornando-se na verdade continuadora da censura dos anos de chumbo. Sempre respeitei Glauber como cineasta e pensador. Do Cinema Novo era o mais inquieto, ousado e brilhante. Eu entendia a sua defesa afetiva e política desse grupo solar! Com relação as suas críticas ao Cinema Marginal (nome que todos detestávamos), eu sempre contestei pois não eram pautadas em análises profundas, e sim emocionais. E que de modo algum se justificavam pois estávamos todos na merda! O inimigo não era A, B ou C, mas sim a invasão do nosso mercado pelos subprodutos de Hollywood! Um dia me convidou para ir ao café Danton, na frente do metro Odeon conhecer e conversar com Godard. Foi um encontro difícil pois o Godard não me pareceu à vontade. Ficamos juntos um bom tempo e ai no final lhe pedi para ver seus longas do Grupo Dziga-Vertov que não passavam em canto algum. Fui ver alguns deles numa sala na escritório do irmão de Louis Malle , onde o Godard tinha uma sala cheia de cartazes maoistas! E vi alguns outro depois, numa exibição gratuita e aberta por ordem do Godard, na cinematéca de Monsieur Langlois. Exibição cheia no início e vazia no final. Pensando friamente hoje, foram bons meus encontros europeus com Glauber. Cara a cara tínhamos divergências mas nunca brigamos de ter raiva ou ódio da sua pessoa. Nos gostávamos com críticas e respeito. Por ele eu teria filmado na Europa, mas não rolou! A seu pedido eu escrevi um roteiro chamado “NOUS”.