Memórias 27 Hoje todo mundo faz cinema; mas poucos fazem filmes !

13.01.2018

Nunca fiz questão nenhuma de ser amigo ou mesmo próximo de “diretores” que nunca respeitei. E são muitos, de todos os lados. Poderia dar os nomes mas em que isso ajudaria o cinema a ser melhor? Tem um velho provérbio popular que diz: “A maioria das pessoas ouve, mas não escuto”. O trabalho da criação passa sim por dentro desse espaço do “não escutar”. Olha mas não vê! Ora, de que vale a um diretor/experimental filmar o que for corretamente sem ousar viver dúvidas, contradições e incertezas? Um filme como “A$SUNTINA DAS AMÉRIKAS” feito ontem e “GOZO/GOZAR” nos dias de hoje, não podem refazer/avançando caminhos autorais iniciados por Mario Peixoto ou Humberto Mauro? Ressalte-se a ousadia dos técnicos e atores utilizando todos a subjetividade como linguagem, como formulação sem assujeitamento à onipotência das certezas. São modelos que partem sim do anti-hollywoodianismo para atingir o amadurecimento de dúvidas desideologizando o fascismo das certezas de grande parte do cinema de mercado. Bem, fundamentar a interpretação transformando o ator num personagem sensível. Encontrar movimentos complexos para o corpo. Retornar as impurezas nas imagens…Dirigir é sim um desenquadrar de caminhos, certezas e mergulhar fundo nas dúvidas. E uma vez nelas experimentar trajetórias ousadas e contraditórias. Tô falando sim do cinema, e não do pastiche industrial feito para o mercado! Também nunca achei que o cinema feito para o mercado tinha/tem de ser burro xerocado da TV! Bergman, Losey, Buñuel, Kubrick fizeram obras-primas para o mercado e que vão ficar na história. Talvez a direção seja isso: descobrir pessoas, encontros, caminhos e afetos verdadeiros! É quase um casamento feliz! Se é que isso é possível! Mas, como dizia o nosso velho sempre jovem “A$SUNTINA”: -Hoje todo mundo faz cinema; mas poucos fazem filmes! O furor criativo no cinema é fundamental da direção ao figurino passando por todas as funções. Ou vive-se as muitas intensidades do saber, dos afetos ou faz-se tudo menos cinema! Cinema não é só um bom roteiro ou bons enquadramentos. Mas um conjunto de fatores pulsantes, vivos! E a direção é sim essa procura sem um objeto muito claro ou definido. E é muito como essa fala de Beckett: “Não há o que dizer, não há como dizer. No entanto é preciso fazê-lo”. E como eu gosto de trabalhar sobre dúvidas, nem sempre consigo acertar. Sempre procurei trabalhar e criar com pessoas muito próximas e queridas que como eu não usam o cinema como instrumento perverso de afirmação de egos! Isso já faz a TV. Então do ator ao montador eu quero sentir a presença da alma e do encantamento. Na construção de um bom filme/pensado, a certeza é sim figuração! Ora, como construir com os atores personagens complexos e nem sempre fáceis? Por que este e não aquele enquadramento? E por que motivo os ruídos são assumidos como personagens, como na nossa rica interpretação da “GUERRA DO PARAGUAY”? E a música? Muitas são as excitações propagadas pelas dúvidas.Talvez o cinema seja a herança deixada pelos sonhos! Uma construção de gozos poéticos infinitos. Ontem a coagulação da traição no mundo patronal na “CRÔNICA DE UM INDUSTRIAL”. Depois o gozo/inútil de duas jovens no “DOIS CASAMENTO$”. Agora o saber pensar em “GOZO/GOZAR”. Amanhã uma reprodução de ódios idiotas no discurso de “OS PRÍNCIPES”. Na verdade uma reciclagem do ser/mercadoria na fantasmagoria do horror. Pena ter sido tão censurado, boicotado e já estar velho, e não poder ir muito mais longe. Não sou Manoel de Oliveira, e vivo numa republiqueta que odeia o pensar, o saber, a criação e o afeto. Pena! (Para Joel Yamaji) Luiz Rosemberg Filho/Rô