Memórias 55 O corte no cinema

30.01.2018

E se ousasse dizer que o Corte no cinema é uma linguagem conceitual do silêncio? Ele não está nas muitas maquinações de uma filmagem, mas aparece na mesa de edição! Não se ensina a cortar, e sim corta-se o ensinamento de certezas. O único compromisso é com o imaginário poético da experimentação. Um jogo entre o monstruoso, o artifício e a existência de um deserto invisível que são a procura das imagens a serem feitas e depois montadas entre dúvidas, tempos e planos. E digamos que dialetizar tudo, é historicizar o tempo entre excitações e subjetividades do editor. Sim, o cinema lida com o Corte! Mas, e no que consiste cortar? Não é só mudar de plano, ou de sequência, mas uma sólida ultrapassagem de certezas. Uma visibilidade da invenção pela via das contradições. Diria até que cortar é sim recusar certezas e deslocar a solidão do montador ou editor diante da máquina, para o universo das dúvidas. E uma vez nelas, as múltiplas sensações de vagar num complexo de caminhos e contradições. Ou seja, cortar é sim dilacerar e dissecar certezas. Como cineasta tenho por hábito não trabalhar sobre certezas. E cortar é para mim um traço de ousadia pois seja qual for o montador/editor, vai lidar com uma profusão de imagens, tempos e movimentos do Outro. Penso no anti-uso da narrativa clássica no cinema de Alain Resnais. E nas muitas imobilidades das personagens e enquadramentos do nosso “IMAGENS“, onde o foco era sim o país. E eu o montei todo ele só, numa enroladeira manual de 16mm. E, numa exibição privada na casa de meu analista, com a presença dos atores, amigos e do Mario Carneiro, ouvi dele a seguinte pérola que anotei num velho livro: “-É isso Rosemba, não ter sossego é enxergar sempre além do novo, e arriscar não ser gostado.” Eu não queria imitar o cinema de A, B ou C – mas me perder nas coisas longínquas ou mesmo próximas. E cada conceito de Corte foi sim um movimento sentimental pelos amigos envolvidos, e político pelo país proibido de se manifestar com liberdade. E me foi interessante trabalhar as muitas incertezas das filmagens, os cortes passando pelos enquadramentos. Eu não tinha certeza de nada pois era difícil determinar o tempo das imagens! Ainda assim edificamos um poema! (P/Joana Collier) Luiz Rosemberg Filho/Rô