Memórias 61 Eu queria fazer cinema e não virar crítico.

02.02.2018

Voltando à crítica cinematográfica: um dia em Paris, Novais Teixeira me perguntou se eu era inimigo da crítica pois tendo trabalhado com muitos no INC, nunca me havia visto falando sobre eles! Bem, disse-lhe que nunca havia sido íntimo de nenhum deles, e verdadeiramente só era muito amigo do Jaime Rodrigues. Trabalhei com todos, falava com quase todos mas nunca fomos próximos. Gostava muito do Moniz Vianna, mas fora do INC éramos muito diferentes. Eu lia as suas críticas, as do Zé Lino, as do Salviano e um pouco depois as do Maurício Gomes Leite. Mas eu queria fazer cinema, e não virar crítico. Sempre preferi ler a escrever, pois me permiti ser preguiçoso! E na languidez da preguiça sempre preferi ouvir o divino em Beethoven ou Bach, a harmonizar palavras nem sempre fáceis. E me lembro bem que o crítico era obrigado pelo jornal a escrever sobre todos os lançamentos! O Jaime só escrevia sobre o que gostava, e sobre o que odiava. Não perdia seu tempo com qualquer filme. Éramos saudáveis no desinteresse pelo cinema comercial! Aqui ainda lia o Paulo Emílio, o Rogério no Estadão e o Sergio Santeiro. Lá fora vim a ler o Aristarco e o Bazin. Acho que nunca havia lido o Novais Teixeira, que ficava de me mostrar alguns dos seus textos, mas preferia jogar conversa fora. Sua proeza nos nossos muitos encontros era ser generosamente gentil e mulherengo! Me fez comer coelho na sua casa dizendo que era galinha. Quase morri de tristeza e sumi por uns tempos. Mas como gostava dele pelas suas histórias de velho anarquista, voltamos a nos frequentar muito pois ríamos de tudo e todos! Um dia me convidou para ver o Buñuel filmando num café na praça da Sorbonne. Fomos até lá e ficamos bem na frente da corda que separava os curiosos da equipe que se movimentava de um lado para o outro. Buñuel estava sentado no café ao lado da atriz Delphine Seyrig, e conversavam normalmente. Aí perguntei ao Novais a estranheza de ver o Buñuel que se dizia surdo, conversando sem aparelho auditivo nenhum com a atriz. Novais riu e respondeu: “-Rô, ele é surdo para os chatos!”. Fomos para os copos! E fomos tão próximos que lhe dediquei anos depois o nosso queridíssimo “A$suntina das Amérikas”. E eu não tenho dúvidas de que ele amaria a doce e furiosa Analu Prestes pela semelhança com o seu bom humor e anarquismo. (P/Carlos Mattos) Luiz Rosemberg Filho/RÔ