Memórias 77 O ator Echio Reis no JARDIM DAS ESPUMAS
Me lembro bem que quando fizemos O JARDIM DAS ESPUMAS, trabalhei muito com Echio Reis (que era gênio como ator), o conceito de catarse para sua interpretação. Queria e queríamos ir além do estabelecido em termos de interpretação e imagem. Echio fazia associações com nossos índios e defendia estar quase totalmente despido. Eu achava ótima a comparação, mas tínhamos o falso moralismo da ditadura e da censura. Nas pornochanchadas podia aparecer tudo e todas, e passavam nos cinemas. Me disse um um censor velho que não me lembro o nome: ” -As pornochanchadas eram filmes primitivos e não queriam mudar nada. Já o seu JARDIM DAS ESPUMAS questiona até o próprio filme e é sujo e feio!” Como se a sociedade em que vivíamos fosse limpa e bela. E não era mesmo. Fizemos um filme experimental profundamente rico e complexo na interpretação de Echio, dos demais personagens e das suas imagens estranhas de Renaud Leenhardt. Não queríamos que a barbarização do país com mortes, torturas, censuras e desaparecimentos fosse um love story. Desarticulamos a narrativa tradicional e nos jogamos todos fundo na não-expressão da falsa Democracia que se vivia, e que infelizmente se voltou a viver no país. Echio foi profundo até mesmo no desnudamento sensível do seu corpo. Corpo esse determinante na legitimação do inferno que vivíamos no país. E também nos excessos do tempo de cada plano, a degeneração simbólica do país, sem expressão alguma dentro e fora. Claro que o filme causou um grande mal-estar por onde foi passando. E até mesmo aqui! Mas gostei muito de tê-lo vivido tal como está: sujo, longo e muito gritado. O público e a crítica não perceberam que eram os gritos dos oprimidos. Como diz o historiador Johan Huizinga logo no início do seu livro “NAS SOMBRAS DO AMANHÔ: “Vivemos em um mundo possesso. E estamos cientes disso”. Um pouco mais hoje que ontem. Dizendo as claras: o Estado amoral dominante no passado, voltou a dominar. Também não posso deixar de dizer que todos foram sim, co-autores dessa viagem ao inferno. Mesmo agora fizemos uma homenagem ao filme, numa bela e forte sequência de OS PRÍNCIPES onde “os homens seguem sendo o brinquedo dos deuses”. Só que uma vez mais sem espetáculo ou carnificina. Quiçá sem heroísmo! Esse deserto de imperfeições humanas chama-se Brasil! Não caiam na babaquice reducionista de um filme contra a mulher! Nossa indignação é sim contra a violência e o fascismo que uma vez mais, ocupa todos os espaços do país. Triste. (P/ Fabiano Canosa) Luiz Rosemberg Filho/Rô