Memórias 78 CRÔNICA DE UM INDUSTRIAL: estudo poético do pensamento da direita.

18.02.2018

Sempre encontrei Glauber ao acaso pelas ruas do mundo e ficávamos conversando desinteressadamente de significados ou expressões mais profundas. Eu achava graça dos seus rápidos rompantes de fúria. Mas devo salientar a sua importância na formação estética de todos nós pois sempre fez um belo cinema experimental, por sorte com grana! Ficava meio inquieto por eu ter amigos verdadeiros de todos os lados e defendê-los sem estreitamentos críticos. Eu lhe dizia que de um modo geral a crítica restringia e sufocava encontros e afetos. E muitas vezes ele me perguntou se essa minha defesa afetiva dos amigos não caía num certo sentimentalismo de tristezas ou desencantos! Eu ria e respondia: “- Tire você a conclusão que quiser, mas acho que nunca usei o sentimentalismo em nada. Menos ainda nas amizades e no cinema. Ou gosto ou não gosto e rompo sem o menor problema.” De verdade tenho alguns poucos inimigos. Sem inimigos no cinema brasileiro eu só conheci o Paulo Emilio e o Nelson Pereira dos Santos. Um dia andando pelo centro da cidade, sempre por acaso, encontrei o Glauber e fomos tomar um café. Ele muito tranquilo me perguntou quem eu indicaria para montar a parte do Rio de Janeiro do seu IDADE DA TERRA. Indiquei-lhe o Ricardo Miranda que havia montado o “ANCHIETA” do Paulo Cesar e o nosso CRONICA DE UM INDUSTRIAL. Me disse que não o conhecia e lhe levei no Batalim um rolo de 20 minutos do CRONICA. Ele viu e elogiou muito. Ricardo foi contratado, e se tornaram mais próximos. O IDADE não era um filme fácil de ser montado, mas Ricardo se saiu bem. Conseguiram se gostar e se respeitar. Ao vir a falecer Glauber tempos depois, fui ao cinema São Luiz ver um filme seu que eu não havia visto: o CÂNCER! Na ante-sala do cinema tinha uma TV ligada, acho que com Glauber no seu programa ABERTURA, e caía de pau no CRONICA, chamando-o de filme de direita pois recuperava o pensamento que a burguesia brasileira não tinha pois era burra! E que nunca teriam aquele tipo de consciência trágica da sua enfermidade espiritual. Que a consciência era a minha, e eu o havia passado para o industrial. Ri e entrei para ver seu filme. Era Glauber com toda sua vitalidade e excessos. Bem, o CRONICA nunca seria um filme de direita, e sim um filme que ousava estudar poeticamente o pensamento da direita. Não pela via do raivoso ou do popularesco, mas um réquiem como disse o Ruy Guerra na saída da exibição no Méridien. Nem sei se ele se lembra disso, mas anotei e gostei da sua observação. A censura o interditou pois não era permitido um próspero industrial espiritualmente enfermo se matar! Depravação sexual passava, se matar não! Era tão maluca e burra a censura que anos depois fui fazer O $ANTO E A VEDETE, gozando da prática burra e idiota da moralidade dos imorais! LUIZ ROSEMBERG FILHO/ RÔ.