Memórias 79 O ser humano como obra de arte
Nem sempre do olhar a imagem se processam entendimentos claros pois lida-se muito com abstrações, percepções e artifícios do pensamento profundo. O cinema é sim um mergulho no momento invisível da criação. Na descontinuidade da chamada perfeição, e numa orquestração de impulsos nem sempre corretos. Toda ação criativa abrange silêncios, dúvidas e contradições. Nem sempre se consegue o que se quer por melhor que seja o roteiro, e mesmo os atores. Ainda assim disso resulta sempre alguma significação poética. Fértil é ousar fazer, tudo mais são dúvidas eliminando certezas. Pode no cinema uma só imagem ter conteúdo profundo? Uma não, mas muitas sim! Penso na extraordinária fertilidade visual do cinema de Antonioni ou mesmo Godard. Digamos que é um cinema que não mais pede compreensão, e sim significação além do enredo como a obra teatral do Tchekov, onde não existe imitação ou exatidão dramática pois tudo vai sendo superado pelo tempo e pelo sentido e sentimento das palavras. Palavras que se tornam sons musicais na vida das pessoas. Por exemplo esta fala de Anya: ” -Que fizeste comigo, Petya? Por que já não gosto do Cerejal como antes? Eu o amava tão ternamente; que não me parecia possível haver sobre a terra lugar melhor que o nosso Cerejal”. O personagem Trofimov responde: ” – Toda a Rússia é o nosso jardim. A terra é imensa e bela…” Voltando ao cinema sem ter saído dele, até entendo que a indústria precise do cinema clichê televisivo. Mas não o saber e a poesia. Para se viver o lixo do mercado, que se fique com a histeria anti-tchekoviana do desconforto e do sucesso de significação nenhuma. Sempre defendi um cinema experimental de significações éticas! Não é qualquer imagem ou texto que pode transformar para melhor a consciência dos espectadores. E sim com certeza as múltiplas significações poéticas além do próprio cinema. E então que se possa alcançar o ato de viver, amar e criar como poesia. O ser humano como obra de arte! (P/ Marília Alvim) Luiz Rosemberg Filho/Rô.