Memórias 228 Poucos meses que passei só em NY

23.09.2018

Os poucos meses que passei só em NY, me foram muito interessantes pois como não falava a língua por uma recusa ingênua de não querer saber, também não queria ouvir por algum tempo de modo algum a minha voz. Me foi uma experiência fantástica ficar sem falar por algumas poucas semanas. Para tudo que eu queria eu apontava, sorria e levava quando era barato. Dos restaurantes as lojas de CD's. Não fazia a menor questão de ser entendido ou mesmo gostado. E uma vez nesse estado sem nenhum recalque a vontade, a imaginação e a razão eram vividos sem a potência da voz. Eu estava pensando num roteiro de ficção-científica cujo o tema seria sobre a corporificação representada pelo silêncio. Não o silêncio como um todo pois eu já havia feito isso com IMAGENS.Mas a inscrição do silêncio num outro movimento não associado à nada de concreto. Reparei que as pessoas falavam o tempo todo, sem nada de substancial sendo dito. Era a antecipação da descoberta do cinema do Tarkowski. A prática do isolamento mesmo no meio da multidão, te faz romper certas certezas. Como por exemplo a da solidariedade humana. A linearidade dos fatos vai para o espaço e a ordem passa a ser caótica e simbólica. Me lembro bem que só voltei a falar na saída de NASCIDOS PARA MATAR de Stanley Kubrick pois estava sofrido com o filme, e encontrei por acaso um "pentelho" que me convidou para jantar e fui obrigado a falar. Ainda assim ouvi mais que falei. Foi bom e foi ruim pois perdi o meu silêncio. Me senti depois só e desestabilizado. A fala sem um corpo ou uma história acaba não sendo nada. E se o mundo está repleto de ódio e desentendimento que importância tem os sons de muitas palavras? Nenhum. Me permito achar que sei usar bem as palavras. Já os silêncios são bem mais complicados pois tempo também atua como personagem. Ou seja, ouvir o silêncio interno e mesmo externo é um dos meus desafios numa reconstrução poética das imagens. E para entrarmos nesse espaço tudo tem de virar poesia. Pode parecer uma tarefa fácil, mas é complicado pois muitas vezes tem que se trabalhar com maus "atores", com a amante sem luz própria do produtor ou com seres absolutamente inexpressivos. E como aí destacar a força e a presença da poesia? Luiz Rosemberg Filho/Rô