Memórias 234 Com Nicholas Ray num festival de filmes experimentais no sul da França

25.09.2018

Nunca fui muito amante de frequentar festivais de cinema. Mas quando faz-se necessário, por que não? Ainda nos anos de Paris, uma amigo pegou as latas do longa IMAGENS, e inscreveu-o num festival de filmes experimentais no sul da França. E por ser um longa-metragem mudo sem som algum foi aceito direto. A sua riqueza era exatamente essa: o silêncio! Era pelo menos uma semana de sol, mar, mulheres bonitas (embora estivesse casado), comida com certa fartura, filmes diferentes e com tudo pago. Na competição tinha o primeiro filme da Chantal Akerman, o último do Nicholas Ray, o meu e outros mais. Os filmes iam sendo exibidos sem muito sucesso pois a experimentação nunca foi, e segue não sendo aceita com facilidade. Querem o papai e mamãe com pão e manteiga! Hollywood e a TV sempre trabalharam para que se evitasse pensar. Pena. O nosso IMAGENS com vinte minutos a sala ficou vazia. Quando vi o filme do Ray, fiquei em transe! Feito só com amigos e alunos longe de Hollywood. Digamos um filme de meditação e de certo modo de despedida da vida. Não era um filme para as salas de exibição, mas para os espaços não machucados do coração! Ray já velho se deixou filmar febril, doente e ainda assim sem papas na língua. AMEI! O filme me lembrou muito uma fala de Artaud em que diz: "O que eu procuro não é a dor, mas a força no esfolamento, na falta, na fome, na doença, na fadiga, na náusea, na vertigem, do desespero e no abandono de minhas forças." Em Ray talvez um esboçar criativo do fim que se aproximava. E ainda assim uma recusa do fácil contaminado pelo dinheiro! Era assim uma vez mais CINEMA! Interessa-me assinalar o seu exílio do espetáculo, numa juventude ainda se história alguma. Era a amplitude de Ray como força geradora de encontros e afetos numa indústria tão poluída por traíras, horrores e burros oportunistas! Ganhei o prêmio do júri e o dediquei a Ray, referência viva e criativa do nosso passado. E pelo que sei morreu fazendo e acreditando no CINEMA! (P/ Renaud Leenhardt) Luiz Rosemberg Filho/RÔ

Renaud Leenhardt