Memórias 239 Morreu a singularidade do ato criativo para gozar melhor o processo de encantamento
Sempre sonhei em adaptar e filmar livremente o Marquês de SADE. Mas nem todos os sonhos no cinema se realizam. Ainda mais no Brasil. Por outro lado todo bom filme que pensa o sexo empalidece a religião e o moralismo dos imorais. E por que será? Dizem os carolas da "neutralidade" (como se isso fosse possível!), que o sexo é sagrado. Sempre pensei que sagrada fosse a vida, e não é respeitada! Como dizia meu saudoso analista: "Todo mundo transa, mas poucos são os que sabem fazer gozar, e gozam também." Poucos são os que agem pelo prazer. Entretanto estamos aceitando calados e passivos a proibição da nudez do corpo, da obra-de-arte, do gozo, das ideias e das imagens. O poder repressivo infectou o desejo mesmo aceitando ou ao custo de ser odiado. Vazio e inatacável bosteja regras arcaicas pela boca! Briguei 21 anos contra a censura! E como ela não acaba e se renova, o desastre atual é a autocensura praticada por boçais! Os mesmos fascistinhas que mataram ontem o poeta e cineasta Pier Paolo Pasolini. E foi ele que com propriedade disse: "Não há mais nada de alegre no sexo. Os jovens são feios e despreparados. O sexo é hoje a satisfação de uma obrigação social e não um prazer contra as obrigações sociais. E eu não posso nem mais ter ódio contra a burguês, porque hoje, no país onde vivo todo mundo é burguês." O planetinha vagaba vai mal sim! Se tornou violento, burro e conservador. Morreu a singularidade do ato criativo para gozar melhor o processo de encantamento. O rebanho não deve gozar e muito menos pensar. Filmar o sexo então, é apoderar-se de um determinado tipo de "terrorismo" ainda que civilizatório, proibido pela moralidade dos imorais. Aliás o mundo esqueceu que os Golpes de Estado, as guerras e crises econômicas existem para atestar que o melhor é marchar, e não pensar! E gozar muito menos. E nessa soma monstruosa de acumulação de horrores, essa porca volta a moralidade/imoral da Casa Grande. E quanto mais covardes e traíras, mais a ilusão da disciplina se organiza e ganha espaço. Seja sob o pretexto da moral, seja sob a ordem do cumprimento da Lei! Lei oca contra a grandeza da restituição pela arte do desejo, do saber e do gozar. (P/ o Festival ECRAN, do cinema Experimental) Luiz Rosemberg Filho/RÔ