Memórias 294 No meu cinema a mise en scène nasce no momenro da filmagem

15.10.2018

Ensaia-se livremente numa espécie de superação das forças físicas e mentais acomodadas no dia-a-dia de todos nós. E tudo pode servir as inquietações e questões dos personagens. Claro que o ponto de partida é sempre um bom roteiro minimamente focado e bestial como exercício de infinitas fomes e aproximações. Penso nos exageros de uma bacanal, em Van Gogh, em Artaud, em tempestades inenarráveis, em lama com sangue, dor e esperma. Em corpos nus na doença sem cura, no medo do movimento arbitrário, na palavra como cicatriz exposta, na vida como pesadelo, no traíra covarde no seu desprezo pelo humano, na inércia que antecede a morte... Bem no meu cinema a mise en scène nasce no momento da filmagem. E por mais preciso que seja o roteiro a imagem só surge depois da palavra Ação! Eu posso até antever o resultado, mas é no vaivém que ela se torna visível. O necessário é reencontrar o sentimento da escrita no papel onde nasce a ficção para mim. E exigir uma lógica é imbecilidade segundo as necessidades do capital, e não da criação. O cinema é sim um jogo entre imaginar e criar. Entre imagens e sons. A naturalização do entendimento fácil e deletável nunca me interessou pois gosto mais da experiência que da certeza. Sei que vivo hoje entre pobres convenções de idiotismos com imagens e sons ainda que falsamente desconexos de filmes feitos ao acaso da necessidade de afirmação de seres medíocres. Muito raramente saio para ver nossos filmes de ficção pois todos se parecem. Viu um, viu todos! Pra sair no meio, prefiro não ir ver. Não fiz do cinema divertimento de traíras e esnobes "críticos" que só defendem os amiguinhos sem talento. Quis mostrar a cólera, a escatologia do dinheiro, a loucura, o sexo burguês violento, a alienação e o horror sem um mínimo de espetáculo. E é natural que chegue com dificuldade a crítica comportada e ao público. Não filmei sonhos e sim a peste encenada sobre a ordem dos traíras. Múmias que se movimentam no espaço da vida repelindo encantos, encontros e afetos. O cinema domesticado da família com seus problemas infantis nunca me interessou. Inclusive já tentei ensinar e recuperar alguns idiotas fascinados com a quantidade no lugar da qualidade. Na verdade porcos repelindo o respeito e a sensibilidade. Ainda assim preencherão sempre sorridentes os espaços da mídia pois só são fachadas de pequenos e "grandes" oportunismos. Fachadas como muletas. E infelizmente o cinema participa deste descrédito humano. Enfim, entre caricaturas do fácil e o movimento de um rato assustado o cinema sendo traído. Bem o país que vivemos! E que é na verdade a última versão do atraso. (P/ JOEL YAMAGI) Luiz Rosemberg Filho/Rô

Joel Yamaji