Memórias 353 Descobri a pintura, as colagens, a análise, os livros e por fim o cinema
Sempre foi muito forte a presença do sexo no meu trabalho. Tanto nas colagens como no cinema. Fomos todos tão mal formados que cometemos mais erros que acertos nas muitas relações vividas. O outro ou a outra é sempre uma presença de sentimentos despedaçado. Vivemos num tempo feio de ódios, horrores, medos e esquecimentos que se perderam na não-ética. Gostar e ser gostado não é nesse sistema de consumo e representação bufa na política oficial um processo real de encantamento, mas de medos e desencantos! Medo do que o nosso espelho interno possa nos mostrar de monstruoso. No meu caso talvez fosse melhor começar pela infância! E entre muitas manchas de sangue aqui e ali o desabrochar da imaginação. Do corpo aberto e recosturado a um estado permanente de dor! Eu era só muitos pedaços remendados com uma cabeça pensando. Dos anos dos hospitais me lembro que sempre sorria vendo um papagaio no ombro de uma velha enfermeira que ela colocava para andar sobre o meu gesso. Era o seu espaço dentro da enfermaria: o meu corpo sem movimento engessado. Ele chegava às 6 da manhã e saia às cinco. Comia e bebia com potes sobre o gesso. Acho que o seu nome era Tafeta! Meu primeiro amigo fora os membros da família foi um ave! O Tafeta ia até o pé engessado e voltava próximo a cabeça também engessada. Foram anos difíceis. Anos e anos sem mexer o corpo, sem saber, nem poder ler. Era um permanente esvaziamento de sonhos, fantasias e sentimentos. Em duas décadas de análise com o Dr. Walderedo Ismael de Oliveira fui tentar redescobrir alguns momentos diferentes do meu passado, mas consegui muito pouco. A vida apaga os sofrimentos vividos. Só me lembrei do louro Tafeta sobre o gesso num hospital em BH. Me lembro que também ficava intrigado com o barulho do vento. As enfermeiras me falavam dele mas eu não o sentia. Hoje eu nem sei mais como eu pude aguentar e não enloquecer. Depois na escola sempre fui um péssimo aluno. A vida substituiu o Tafeta pelos professores que eram chatos! O novo tempo parecia velho. Descobri a pintura, as colagens, a análise, os livros e por fim o cinema. A ausência de um passado seguiu doendo no tempo presente. "Ainda dói? - perguntou o analista. Sim, muito - respondi." E entre muitas obscuridades o lado visível das imagens e um profundo desprezo pelo poder. Sempre o achei velho e empoeirado. Curiosamente o cinema está ficando assim: igual, comum, infantilóide, cheio de traíras e boçais arrogantes. Pena. (P/ Caio Lazaneo) Luiz Rosemberg Filho/RÔ